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domingo, 29 de março de 2020

Impopular

Não ouso cuspir textos óbvios
baseados em paixões de esquina
Réplicas dos mesmos papéis
Dos filmes e dos livros

Da minha confusão
só sei que é única
e real
Perseguição da minha sombra
fosca e inevitável
frequentadora da tabacaria
e de fé tortuosa
É sobre ser metade
e da ferrugem do osso
Discurso sobre como é a luz
do peixe abissal

sábado, 28 de março de 2020

Voz

Escrevo porque não gosto da minha voz.

A escrita tem tom escolhido,
possibilidade de alternar suavemente 
entre a firmeza e a descontração 
entre a calma e a catarse

Só gosto gosto da minha voz em sua quebra,
em sua ocasional rouquidão 
na sua falha venusiana 
na sua firmeza quando é pronúncia de uma especialidade

Mas seu titubeio rotineiro dá-me nos nervos
seu soletrar das ideias em construção 
suas eternas pausas nas dúvidas 
seu abafado durante as palavras de entretenimento

A gargalhada e o espirro que me invadem
como fosse atingida por um tiro
Todo escoar da minha retração,
a energia retida coloca em um minuto
uma frase que só caberia em cinco
Fugindo quilômetros do estereótipo da lentidão,
retrato do sedentarismo de um corpo
que sempre trabalhou numa velocidade descompassada da mente

terça-feira, 22 de outubro de 2019

Dos meus movimentos bruscos

Não sou óbvia

Minha forma fluida
tem arestas pontiagudas
Tudo que há de macio em mim 
tem uma face áspera

Não sou o preto nem o cor de rosa
Quero a paz do azul
Não vendo minha alma pra ansiedade
Se ela me toma, me tomo de volta

Eu existo nos meandros de mim mesma
Marcada pelas fantasias 
da quais me divorciei
e pelo abismo de profundidade 
que nunca deixei de ser

( )

Contorno os cantos da minha mente
procurando meus esboços, meus desenhos preliminares
Contornos rascunhados em transe,
inacabados
reféns da minha memória prematura
Silhueta que contornei com os meus olhos
refratada através da minha lente embaçada
pra além de um contorno de lápis nos cílios
Contorno do chão da cena de crime
isolada, envolta num adesivo chamativo
com um alerta de mantenha distância
Contorno a situação
dou uma meia volta dançante
com uma confiança propositalmente convincente
Movendo meus contornos intocados
pra os limites dos que eu não toquei
ciente de que os contornos que eu abraçaria
não são somente sensoriais

domingo, 20 de outubro de 2019

Vertigem

No alto de uma escadaria que eu não subi
um sopro empurra o vácuo do meu peito
Balanço junto com a minha fragilidade empoeirada,
sinto hábitos em construção em mim
Minhas terminações nervosas pulsam
e meus músculos relaxam
A certeza de que sempre ficarei bem
curiosamente não me poupa do medo
Tento entrar em contato com a minha intuição,
achar meu ponto de equilíbrio
e o que sobra em mim é satisfação
Eu estava com saudade dos meus sentimentos

terça-feira, 22 de agosto de 2017

Borboleta no aquário

Não, não foi proposital
Eu fui surpreendida
com uma figura vivendo tal qual
fase prematura da minha vida
Procurando uma saída

Procurando respirar mais doce.
alguma conexão que fosse
Com a alma clamando por ser tocada
e a se sentir convocada

E eu me inebriei
como uma abelha pousada na flor
Meus receios contrariei
por sentir o peito cheio de calor

Ela deixou de caminhar conformada
numa vida semi acordada
Se viu, vista
Futuro como possibilidade de conquista

Não te preocupes...
Meu abraço será terno
pois é toque em porcelana
Sem mais invernos,
mel que escorre e derrama.

sexta-feira, 21 de julho de 2017

Rosa bebê

Umas dúzias de carências e desejos de alma me andavam esquecidos. A psicanálise me ensinou que a vida é frustração constante e meu trabalho psicológico seguia sendo o de tentar aceitá-la e suportá-la. Então eu não gastava muito tempo pensando sobre o que eu queria, mas sim tentando lidar com a ideia de não ter. Pensando nas mais diversas estratégias de nado na angústia.

Tudo que era feliz ou satisfatório demais eu fitava com olhos de pena, de quem vê o otimismo e seus adjacentes como tolice, como um ato compulsivo e inconsciente de pessoas fingindo que não lhes existia a falta.

É, eu não estava bem... Estava em plena desesperança, mergulhada na crueza da vida. Eu era contraditória também. Pensando a existência como manifestação da angústia ao mesmo tempo em que crescia meu interesse sobre evolução espiritual e filosofias de vida focadas no auto aperfeiçoamento. Com a convicção de que eu jamais poderia ser verdadeiramente conhecida mas me esforçando em me fragmentar em textos e até nos pequenos enfeites que espalhei pelo meu quarto (coisas visíveis). De alguma forma eu queria ter esperança e propósito.

Quando, recentemente, eu vi a felicidade genuína diante dos meus olhos, meu corpo estremeceu. Os meus anseios não admitidos me saltaram aos olhos. Os vi realizados em diversos vislumbres e fui vendo como aquilo assustadoramente se encaixava comigo e dava um calor imenso ao meu coração. E pela primeira vez deixei minha alma contar as coisas que ela mais deseja e hoje tenho condições de dizer a frase "eu quero" com uma inédita convicção.

Eu me tornei de certa forma tão enrijecida que é preciso esforço para viver dentro desses vislumbres. Percebi o quanto a angústia é segura (e covarde), o quanto ela reside no conforto de não querer ter nada só para não correr o risco de perder. Mas eu resolvi me dar esse presente. Que a vida não vai me trazer uma felicidade plena e perfeita eu tô cansada de saber. Mas os momentos de alegria e sonhos serão bem vindos e buscados.

Amatomia

olho luneta multifocal
mãos clima tropical
garganta instrumento musical
pé mais desconfiado que Tomé
coração galope distante do pangaré
estômago máquina movida a café
braço gancho de barco a vela
pernas brilho ondulado de tela
quadril diamante lapidado
costas caminho camursado
língua pra ensinar à maciez uma lição
mamilo sonhada amamentação
orelhas depósito de cravo
testa de aparentar humor bravo
queixo curvinha da qual se queixa
sob ele, encaixe pra minha cabeça
ombros pra dar de ombros na birra
na nuca fios se dispondo feito uma lira
pulso varanda da alma
coxas pra me findar toda calma
pescoço proporção áurea
seios delicada área
boca lânguido arrebol
cílio pedidos ao pôr do sol
cabelo cetim de cobrir
umbigo de soprar pra rir
dedos pra não me deixar ir.

sábado, 20 de maio de 2017

Balão

Anda comigo de ganchinho
como a ponta dos seus sonhos e os meus
Se encaixa num aninho
no vértice entre meu braço e peito,
como fossem teus
Deixa em mim o cheiro do teu cheiro
e a batida meio oca
que seu coração da em desespero
Me deixa te contornar
com a cantoria que seu sorriso me tira
Encher de sonhar
o futuro das maravilhas
Cuja personagem principal
anseia entrar em cena
Inicialmente bem pequena
E pra mais tarde ler esse poema

terça-feira, 24 de janeiro de 2017

Lua crescente

O mirar dessas pupilas é como estar de frente
à água doce e corrente
Sólido que encadeia,
líquido que escorre livre até a foz
Não é vício adoecido
de sereia que exibe voz
É dança de reflexos,
o simples brincando de ser complexo
A cor refratada dos raios solares
sob o foco das lentes oculares
É me sentir vestida de flores
receita pra ausentar as dores
sumiço do tic tac
suportar o calor da tarde
Estar dentro e fora da novela
pintando enquanto admiro a tela
Sensação de ser chama
ao passo em que se deita na úmida grama
Pra além de ansiedade fantasiosa
convida a abandonar os mistérios
e me delongar em proza
É num dia calmo e disperso
se surpreender com um peito acelerado
Depois de várias etapas do sentir
se achar fazendo um doutourado


quinta-feira, 24 de novembro de 2016

Estrangeirismo


Mundo antidepressivo

                   non nostálgico
                                    
imundo         mudo       sem afago

                                  fadado

                                                a matar gente
chamando de doente

                                    o doer do ente

Mundo de gênios suicidas

               de poderosos genocidas
                                                 e suas torcidas

  de não livres vindas e idas
 
                               de horror à vida.

sexta-feira, 28 de outubro de 2016

Histeria

Eu conheço essa gastrite que se confunde com falta de fome. O vazio grita e, conformadas, bebemos mais café. Pra nela se perder. Pra senti-la melhor. No corpo. A digestão do nada. Digestão de si mesmo. Toda palavra não dita - por falta de vontade ou oportunidade - derretida no ácido interno. Cadê aquele refrigerante? Talvez ele limpe a ferrugem de dentro também. No extremo do vazio apresenta-se o excesso. A gula que acaba por causar anestesia. O vazio e a compulsão de mãos dadas. Cadê aquela cerveja? Pra deixar as definições de limite atualizadas. E nem há mais vômitos. Tudo guardado. Cheio. Vazio. E agora um desmaio, que terá seu fim na manhã seguinte. Afogado noutro copo cafeinado enquanto os órgãos tremem e a pressão abaixa.

quarta-feira, 19 de outubro de 2016

Bora sangrar?


Talvez seja uma coisa normal chegar em alguma fase ou situação da vida onde a gente se sinta um pouco hipócrita. Eu sempre critiquei (seja nos meus pensamentos ou em pronunciações) a falta de gratidão das pessoas ou, pra ser mais específica, a tendência em deixar de lado as coisas simples e que acontecem naturalmente em prol das situações desafiantes e causadoras da popular “ansiedade boa”. Essas situações desafiantes seriam as paixões impossíveis, platônicas, a insistência em querer pessoas que evidentemente não corresponderiam porque a ansiedade gerada nesse tipo de situação causa a ilusão de que a gente está sentindo. Mas o que de fato acontece sempre me pareceu ser o extremo oposto. Uma fuga em massa do amor. Um amor que envolve quebra de ideais de perfeição e completude, e que levaria as pessoas a encararem suas partes mais escondidas e que não as dão orgulho. Porque é isso que vem à tona quando se tem intimidade. A escolha do impossível sempre deixa tudo na superficialidade e no que a gente imagina ali, frente à máscara do outro. 

Vou, num ato de extrema modéstia (sqn), citar a mim mesma, porque a desordem dos poemas por vezes é a única que encontra, na sua falta de palavras, mais significados para as coisas...
"Grite palavras de desapego

Critique o tédio das novelas

Então, entedie-se em minha simplicidade

Me conte sobre o quanto sou amável
E não saiba me amar
Enxergue em mim uma tolice afável
Por não jogar
Por fazer das palavras sim e não elas mesmas
E me defina a pessoa mais esma
Sinta saudades de um desafio
Que embace sua visão
Que cubra tudo com um vento frio
Que te poupe de usar tanto o coração"

Existe um curta que ficou razoavelmente famoso na internet nos últimos anos chamado He took his skin off for me. Eu falo sobre ele o tempo todo a ponto de imaginar todos meus amigos não aguentando mais ouvir a respeito, mas por algum motivo sempre negligenciei escrever sobre. Se assistido sem muita atenção, o curta parece se tratar de um relacionamento onde uma pessoa abandona a sua identidade e muda pelo outro. Mas se analisarmos com cuidado poderemos perceber uma metáfora mais complexa. Uma pessoa que tira sua pele se descobre, fica desprotegida, sem a capa. O próprio curta metaforiza isso, já que ele ficou mais sensível ao frio. Isso não é se tornar uma pessoa diferente, é deixar de lado tudo que te protege e se deixar ser sensível e vulnerável. Ele mostrou de fato quem ele é cruamente tirando a pele. E, naturalmente, houveram consequências. Ele passa a escorrer sangue o tempo todo, sujar a casa, sujar as roupas, suas relações sociais não foram mais as mesmas. E ela, ao mesmo tempo em que ama esse eu cru e real dele, tem dificuldades em lidar. E ela mantém seus medos próprios, se recusa a tirar a pele também. Até porque, olhando pra ele ela vê os prejuízos pessoais e sociais que isso pode trazer. 

Se pararmos pra pensar a maioria das pessoas não quer realmente nos conhecer, elas querem uma pessoa aparentemente forte, mascarada, sem falhas, pessoas funcionais! Num relacionamento as pessoas têm medo de se mostrar de verdade pois, como ele, ficariam desprotegidas, com suas feridas abertas, sangrando o tempo todo. Afetáveis. Sempre que alguém é acessível está automaticamente em risco. Pode se machucar, pode ser criticado, pode ser obrigado a encarar as próprias angústias e medos. E, aparentemente, poucos estão prontos pra isso.

Mas porque eu comecei o texto falando de hipocrisia? Por conta daquele antagonismo entre o simples e o desafiador, onde o simples costuma ser desprezado e taxado de sem graça apenas por tornar tudo possível e passível de alguma profundidade. Eu me imaginava completamente coerente com essa filosofia da simplicidade até ouvir de uma amiga, enfaticamente e mais de uma vez, a frase “Brenda, você não aceita a felicidade”. Então eu percebi que inconscientemente eu seguia sim a filosofia do desafio, estando sempre com pessoas com as quais eu tinha que fazer um esforço tremendo pra que tudo desse certo. Sim, eu estava tirando a pele, mas sempre escolhendo alguém que provavelmente não tiraria junto comigo. 

Dos não atos

Não vou recitar esquimó
Ou compartilhar minhas filosofias
Sobre a interação entre mapas
Gritar presencialmente refrões de musicas
dizendo frases como "I fall"
Ser meio ridícula e ruborizar
Tentando racionalizar conexões intuitivas
Fazer um monólogo
Sobre aquelas duas horas do meu dia
Onde eu me distraí de tudo
Acordar com a disposição de três mulheres
Pra passar um café mascavado

Não vou mostrar meu álbum de fragmentos
Minha atenção aos detalhes
O potencial protetor do meu foco
Mostrar memória sobre as primeiras frases ditas
E sobre tudo considerado importante
Explicar a diferença entre pele e carne
Tirar da obscenidade os momentos de conforto
Fazer ver-se o poder do ombro nu
Chorar desavergonhadamente de alegria
Assustar com as disritimias repentinas do meu peito
Pedir desculpas por ser piegas

Não vou escutar todas as músicas
Ou ver todos os filmes
E séries, e matérias e poemas em inglês
Aplicando seus trechos únicos em minha vida
Deixando-os me modificar
Roubar gestos e expressões
E me divertir ao ver a esponja que sou
Ser um tudo em possibilidade e prontidão
Exemplificar a importância das concessões
E pequenos non egoísmos

Noutro rasgo, outro não.

domingo, 16 de outubro de 2016

Despuxada

Assunto despuxado
Eu me curvo e grito uma saudade
Escuto um elogio
Me assusto com uma reclamação
Já que das demoras 
A minha é de fato maior
Mas não se cala
Como se desistisse e perseverasse 

Dançam os silêncios e os prazos
Os entusiamos repentinos
E o barulho surdo do vácuo ricocheteando
Ora o peito se enche de ar
Ora nem lembra como se respira
Em meio a esquecimentos propositais
E pegadas de sono

O que é isso?

Uma disposição já morta
Ou uma que se nega a morrer?
As trilhas sonoras mudas
Firmes em se manterem presentes

O que é isso?

Onde eu me localizo no tempo?
No oco da cavidade arterial
o quão ressoa o meu nome?
Poderia ele ter se feito esquimó?
Ou talvez a calma da pronuncia
O fez sonífero de cavalo

Se tenho bons sonhos 
Acordo com gastrite
Se os impeço de voar
Pareço esmaecer junto
Nem a impossibilidade
Permite agarrar-se
Roubando de mim 
Até as palavras duras

A essa ambiguidade engessada
Apenas anuncio
Que meu nome
Ressoante ou não
Já originou-se sendo espada
Pronto pra enfrentar o eco